Sendo um fenómeno natural frequente nesta altura do ano, os furacões têm estado no topo da atualidade pelas piores razões. Não vou abordar a relação da violência com que estes fenómenos acontecem e o tema das alterações climáticas. Nem falar das consequências dramáticas que trazem à população afetada. Esses são temas muitos interessantes de debater mas vou-me concentrar numa ajuda completamente inesperada vinda do fabricante de automóveis elétricos Tesla.
Vamos aos factos. Durante este mês o furacão Irma provocou estragos numa vasta área das Caraíbas e Estados Unidos. Sabendo que o furacão Irma se deslocava ainda com grande intensidade para os Estados Unidos, a população da Florida foi evacuada, aconselhada a deixar as suas casas e deslocar-se para locais seguros. Este movimento provocou não só longas filas de trânsito como enormes filas nos postos de abastecimento de combustível.
A Tesla decidiu fazer algo completamente inesperado. Entre o dia 9 e 10 de setembro, a Tesla efetuou uma alteração ao software dos seus carros na zona da Flórida, de forma a libertar mais capacidade das baterias de alguns veículos produzidos pela marca, proporcionando uma maior autonomia e, dessa forma, ajudando a dar uma maior capacidade de fuga num momento muito complicado. Detalhando mais tecnicamente, a Tesla começou a colocar nalguns modelos, baterias com 75 kWh de capacidade, vendendo depois os veículos com capacidade de 60 kWh, limitados apenas por software (e uns milhares de euros…). Ora, as baterias na realidade têm capacidade maior e o que a Tesla fez foi, remotamente, a alteração do software para retirar a limitação aos 60 kWh. Esta limitação foi reposta no dia 16, depois do período previsto para a evacuação
Há vários motivos de interesse neste ato tão simples. Em primeiro lugar, a Tesla preocupou-se com os proprietários dos seus veículos, dando-lhes a ajuda possível, prática e imediata para escaparem o mais rapidamente possível ao furacão. De forma gratuita, sim! Infelizmente não ficava admirado se isso acontecesse com custos para os proprietários… É interessante a forma como uma ação tão simples de ajuda / charme / marketing pode deixar os clientes satisfeitos.
É também interessante a forma como a tecnologia hoje permite que, à distância e sem qualquer intervenção do seu utilizador, um fabricante de automóveis possa modificar as características ou configurações dos seus veículos. Isto permitiu que ninguém se tivesse de deslocar à Tesla para efetuar esta alteração, pois provavelmente nesse caso, ninguém ou quase ninguém iria.
À partida não parece haver quaisquer desvantagens nisto. Foi prático, rápido, sem custos, mas pode surgir a preocupação da privacidade da gestão de um bem que pertence a uma pessoa ou organização. O que a Tesla fez, e na minha opinião muito bem, foi uma alteração decidida unilateralmente numa viatura que não lhe pertence e sem autorização prévia especificamente neste caso, em troca de um bem maior. Não vou entrar em detalhes jurídicos, não só porque não é a minha área mas também porque a Tesla com certeza estará protegida quanto a este tipo de intervenções. Tenho dúvidas que tenha havido algum cliente naquela zona que não tenha ficado contente por este gesto da Tesla.
O principal desafio neste tipo de tecnologias, como noutras, é a segurança do sistema. Não seria nada agradável que alguém mal intencionado conseguisse entrar no software de uma viatura Tesla e pudesse unilateralmente alterar as configurações e parâmetros sem que o seu utilizador se apercebesse. Pior. Pegando no tema do Ransomware, seria preocupante que se começasse a fazer ataques direcionados às viaturas Tesla e que “raptassem” a viatura exigindo um resgate para repor a viatura no seu estado normal.
Sim, é preocupante mas se reparar não é um desafio que traga grande novidade. Atualmente uma grande parte dos dispositivos que utilizamos têm capacidade de serem intervencionados remotamente. Qualquer dispositivo com ligação à internet poderá ter essa capacidade. E se pensarmos bem, até os mais básicos eletrodomésticos já têm essa capacidade. Por isso, se o preço a pagar para ter um melhor serviço e ser surpreendido por ações destas, é ter um pouco menos de controlo sobre os meus bens, é um preço que estou disposto a pagar.
Há também aqui uma eventual oportunidade de negócio para a Tesla (e outros fabricantes) que são as Funcionalidades “as a Service”. Dado que existe esta possibilidade, poderia ter um carro com uma determinada autonomia pagando por exemplo para ter uma maior autonomia numa viagem mais longa. Isto pode levar a abrir uma nova oportunidade neste sector à semelhança do que acontece noutros setores (software, multimédia, etc.).
Para já, o que a Tesla (e o Elon Musk…) têm feito é serem disruptivos e visionários. Com este tipo de tecnologia e ações fazem com que a nossa vida seja tendencialmente melhor. Sem dúvida.