Task Scam – Um novo disfarce para uma velha armadilha
Nas últimas semanas, fui alvo de várias chamadas telefónicas automatizadas que anunciavam ter recebido o meu currículo e que eu tinha sido selecionado para um trabalho. As instruções eram sempre as mesmas: entrar em contacto com um número via WhatsApp. Decidi seguir o rasto. Este artigo relata a minha experiência direta com o esquema conhecido como “task scam” — um modelo fraudulento que tem ganho força em Portugal, depois de já ter feito muitas vítimas noutros países.
O início: promessas simples, tarefas fáceis
O contacto começou com uma proposta aparentemente inofensiva: visitar um link de um produto na Zalando, dar “like” e enviar um print screen como prova. A tarefa foi rapidamente concluída e, para minha surpresa, fui informado de que receberia 5 euros. Pouco depois, recebi 15 euros por MBWay.
Seguiu-se um breve inquérito: idade, profissão, histórico profissional e o pedido de dados bancários, como o IBAN. Recusei fornecer essas informações, indicando que poderiam usar o número de telemóvel para pagamento via MBWay. E assim foi feito.
Aparentemente, tudo funcionava. Pagamento rápido, comunicação eficaz, e um certo grau de profissionalismo na apresentação.





No dia seguinte, fui adicionado a um grupo no Telegram onde seriam distribuídas tarefas ao longo do dia. Executei várias, recebi novos pagamentos por MBWay e fui ganhando confiança na fiabilidade do processo.



Foi então que surgiu a primeira tarefa com necessidade de pré-pagamento: 27 euros para participar no “Shopping da Sorte”, com a promessa de retorno de 38,10 euros. Recebi um IBAN português e instruções detalhadas para a transferência. Apesar de não ter enviado o valor, mantive a interação para compreender melhor os próximos passos.

O verdadeiro objetivo: escalar até à perda significativa
O grupo de Telegram onde fui inserido tinha mais de 7.700 membros — e, curiosamente, mais de 7.000 estavam online em simultâneo. Um número claramente irrealista, que levanta suspeitas quanto à autenticidade desses perfis. É razoável supor que grande parte sejam bots, usados intencionalmente para criar a ilusão de uma comunidade vibrante, ativa e bem-sucedida. A ideia é simples: gerar um ambiente de confiança, onde pareça que “toda a gente está a ganhar dinheiro”.

Outro detalhe relevante: não era possível escrever no grupo. Apenas os administradores podiam publicar — sempre com novas tarefas ou supostas provas de pagamento. Qualquer interação era feita exclusivamente através de uma “gestora de conta” com quem cada utilizador comunicava em privado. Esta limitação reforça a suspeita de que o ambiente está controlado para impedir o cruzamento de informação entre vítimas e expor o esquema.
Os prints de transferências — partilhados em massa — mostravam sempre valores baixos (5€, 10€, 20€), o suficiente para manter a ilusão de legitimidade. À medida que a confiança da vítima aumenta, também aumentam os montantes pedidos para tarefas “especiais”, sempre com a promessa de retornos generosos. E é aí que o risco se torna real: o dinheiro avança… e deixa de voltar.

Os relatos são consistentes: quando os valores começam a ser mais elevados, os pagamentos cessam. Em muitos casos, surge ainda a exigência de um segundo depósito, sob pretextos como “questões de segurança” ou “falha do grupo na execução das tarefas”, sendo alegado que o sistema só permite o pagamento completo após a conclusão da próxima tarefa — que, claro, requer novo adiantamento. Nesta fase, as quantias envolvidas já são significativas, e o prejuízo é, infelizmente, muito real.
Um esquema bem estudado e em evolução
Este tipo de fraude já fez inúmeras vítimas no Brasil e noutros países da América Latina. Em Portugal, há relatos de atividade há mais de um ano, mas só recentemente notei um aumento expressivo na frequência destes contactos.
O modelo é sofisticado. Ao contrário de outros esquemas que pressionam desde o início, o *task scam* é paciente. Paga primeiro, espera, gera envolvimento, e só depois começa a extorsão real. É uma abordagem psicologicamente eficaz — e perigosa.
Nota importante: marcas reais como isco para enganar
É essencial esclarecer que a Zalando não tem qualquer ligação com este esquema. Trata-se de uma marca fidedigna, usada indevidamente pelos criminosos para conferir credibilidade às suas ações. O mesmo tipo de fraude tem vindo a surgir com disfarces variados: tarefas envolvendo vídeos no YouTube, publicações no Instagram, em lojas de e-commerce ou avaliações de produtos.
O denominador comum entre todos estes casos é que as tarefas são irrelevantes. Servem apenas como um pretexto para criar a ilusão de um emprego digital e preparar o verdadeiro objetivo: a solicitação de transferências monetárias, muitas vezes sucessivas, sob o disfarce de “tarefas VIP”, “pacotes premium” ou “requisitos operacionais”.
O “trabalho” é apenas um artefacto — o isco necessário para fazer a vítima acreditar que existe um sistema legítimo, quando na verdade tudo está montado com um único fim: enganar, manipular e extorquir.
Conclusão — o perigo do “dinheiro fácil”
A principal lição deste caso é simples: não existe dinheiro fácil. Nenhuma empresa séria paga para realizar tarefas tão básicas como dar “likes” em produtos. E quando surgem contactos não solicitados com promessas tentadoras, o mais seguro é desconfiar, recusar partilhar dados pessoais e reportar a atividade às autoridades competentes.
Espero que este relato possa servir de alerta. Mesmo pessoas tecnicamente informadas podem ser apanhadas na teia, não por ingenuidade, mas pela credibilidade cuidadosamente construída por estes esquemas.